Galerinha, pra quem se interessou pelos macaquinhos falantes, aqui posto a reportagem completa sobre a pesquisa. Deem uma olhadinha!
Bjocas!
Carlos Fioravanti
Edição Impressa 85 - Março 2003
© Miguel Boyayan |
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Representante de uma sociedade regida pela amizade: sem brigas |
Louise é uma das muriquis mais agitadas na pequena reserva próxima à cidade de Caratinga, no Vale do Rio Doce, região leste de Minas Gerais. Rosto rosado, nariz pequeno e cílios destacados, como se tivesse recebido maquiagem, é a que mantém mais encontros amorosos com todos os macacos adultos do grupo. Cutlip, reconhecido pela cicatriz no lábio que lhe valeu o nome, até morrer, no ano passado, era um dos pólos de atenção do bando, freqüentemente procurado pelos companheiros para ganhar abraços, em constantes demonstrações de amizade.
Alguns anos atrás, a peculiar organização social dos muriquis (
Brachyteles arachnoides ) surpreendeu os próprios pesquisadores. Encontrados há décadas do sul da Bahia ao Paraná, mas hoje ilhados em remanescentes de Mata Atlântica de Minas Gerais, Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo, esses macacos com até 1,5 metro de comprimento, incluindo a cauda - também chamados de mono-carvoeiros por causa do rosto todo preto, semelhante ao das pessoas que trabalham com carvão -, formam comunidades que funcionam com base na fraternidade e no amor livre.
Não apenas Louise, mas qualquer outra fêmea do grupo, até mesmo Cher, mais discreta e isolada, cruzam com todos os machos adultos com que vivem - normalmente, um terço dos grupos, que têm de 15 a 50 indivíduos. Quando entram no cio, soltam trinados, algo como um
titititi , ou ainda guinchos e assobios agudos, um
sííííí , com os quais chamam os machos, que ficam por perto esperando a vez. Não há brigas nem disputas. Os muriquis, os maiores macacos das Américas, conseguiram criar uma hierarquia regida pelo afeto. No centro do grupo não estão os mais fortes, mas os mais queridos, que se destacam porque são os que mais ganham abraços dos companheiros, como Cutlip ou Irv, reconhecido pelas manchas em forma de cruz no nariz.
Agora, as descobertas sobre a linguagem dos muriquis são ainda mais impressionantes. Quando se locomovem pela mata, escondendo-se entre as folhagens das árvores à medida que se afastam uns dos outros, esses macacos se comunicam de um modo que ainda não foi encontrado em nenhuma outra espécie de primata. Recombinam 14 elementos sonoros, que se aproximam devogais ou consoantes da linguagem humana, e produzem uma ricavariedade de chamados - mais longos ou mais curtos, mais agudos ou graves -, num processo semelhante ao que usamos para formar as palavras. Tamanha é a reorganização dos sons que se tem a impressão de que os muriquis até procuram ser inventivos: quando engatam uma conversa, um raramente repete o que outro já disse.
Eleonora Cavalcante Albano, pesquisadora do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), assegura: esses sons dos muriquis, descritos pela primeira vez, formam uma linguagem natural com um sentido social claro, por ajudar a manter a coesão do grupo. Só perde para a nossa porque, possivelmente, não é simbólica. "É uma linguagem que indica os objetos do mundo, mas ainda não se sabe se os representa", diz ela. Numa situação hipotética, um muriqui consegue avisar a outro muriqui que uma árvore está carregada de frutas apenas se estiver diante de uma delas, mas não tem como contar da árvore em que estivera no dia anterior, nem emitir um som específico para cada tipo de árvore que conhece.
No vocabulário e nas recombinações de sons, porém, os muriquis são imbatíveis diante de outras espécies de primatas brasileiros, entre elas o macaco-prego, o sagüi-leãozinho e os micos-leões, que contam com uma comunicação vocal reconhecidamente complexa. A capacidade dos muriquis em recombinar sons é também maior que a de outras duas espécies conhecidas pela barulheira que fazem, o chimpanzé africano e o gibão das florestas da Indonésia e da Malásia.